Se você é
professor de Língua Portuguesa experimente fazer uma coisa bem antiga e caída
de moda com os seus alunos: um ditado de palavras. Um simples ditado. Peça pra
que eles digam depois quais as palavras que eles conhecem. Você ficará
surpreendido (e não no sentido positivo) com o resultado. Alguns não vão saber
nem escrever as palavras que você irá ditar. Pra mim, isso funciona como um
diagnóstico. Daí eu sei quem eu tenho nas mãos e o quanto de trabalho vai me
custar. Se um médico pede exames, um professor precisa enxergar com uma lente
bem clara a “doença” que tem pela frente.
A falta de
vocabulário, já dizia Paulo Rónai, impede o pensamento. É uma doença, portanto,
já que somos seres pensantes. Ou não somos?
Ah, as
palavras. As palavras são coisas antigas,
códigos indecifráveis....eles até se riem de algumas: “Que palavra é essa, professora?” “Pra que
usar uma palavra como essa?” . Às vezes é uma palavra ridiculamente banal,
alguma que eu já sabia o que significava desde os meus onze anos, mas eles
nunca a viram, NUNCA, e já estão pra ingressar na faculdade, porém não veem necessidade de usar ou saber o que
significam se conseguem se comunicar usando um “qualé”? Um dia usei a expressão:
“a perder de vista” e me perguntaram o
que significava “aquilo”...
Que mundo é
esse em que vivem esses jovens? Um mundo sem palavras é um mundo que reduz o
homem à bestialidade. E, culturalmente já estamos vivendo essa bestialidade
representada nas músicas populares brasileiras atuais, na produção cultural da
TV, na imprensa, que mal merece o nome que tem, em todo lugar .
A falta de
pensamento impera em tudo, a mesmice, o olhar viciado, a repetição, a falta de
ideias, o veneno do imediato, que canta abreviando as palavras, que não são
mais bem vindas. Eis o que impera no
mundo da música que esses adolescentes escutam:
“Eu quero tchu, eu
quero tchã. Eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tchã. Tchu tcha tcha tchu tchu
tchã”.
Tudo está dito. Pra que
usar palavras? A onomatopoeia garante a
expressividade total….
“Sou simples. Mas eu te
garanto. Eu sei fazer o Lê lê lê. Lê lê lê. Lê lê lê. Se eu te pegar você vai
ver. Lê lê lê. Lê lê lê”.
Viu só? Que maravilha de
expressividade!
Esse aí é o cawboy
universitário, ou melhor, o sertanejo otário...rs Elementar , meu caro Watson…
E nem é a pior coisa que
existe. Pior, pior mesmo é o nível do funk criminoso, que anda por aí, com MCs
de 12 anos falando obscenidades violentas e sendo consumido normalmente e
produzido por gente, obviamente, sem ética, sem gosto musical, sem senso de
humanidade, sem amor no coração...pra dizer o mínimo.
Mas as pessoas acham
divertido e inocente tudo isso. Acham legal que uma pessoa como Anita faça
carreira internacional e seja considerada uma grande artista
Não é a toa que ela cantou com Caetano na abertura da Olimpíada pra
mostrar o Status quo. Para se consagrar
como grande artista. E mostrar quem ‘’é que manda” na música nesse país. Os fãs
de Anita e desses funkeiros ferozes (são inumeráveis, mas mal consegui terminar
de ver um clipe de um deles) , dizem que eles são o que o povo quer, têm sua
razão de ser. Para mim, é aviltante....
Vi inclusive um deles que
usa correntes grossas de ouro no pescoço, quilos de ouro, sendo entrevistado
num programa de moda bem conhecido, que não vou citar o nome, que não quero me
comprometer( dado o momento estranho que estamos vivendo), como se, seu estilo
de vida, de música e de se vestir fosse uma coisa bacana, venerável e digna de
ser copiada como exemplo, Esse, tem até
nome. Chama-se: “funk ostentação”.
Funk ostentação |
Lendo comentários da área
de música na internet, que é uma coisa que me interessa e da qual me sinto
próxima, pois minha filha trabalha com música, vi alguém dizendo que isso não é
só no Brasil, é uma tendência mundial. Dei-me ao trabalho de verificar com
calma a letra de uma música de um top americano, que, aliás considero um músico
fantástico, devo dizer(o Bruno Mars) , mas vejam a “preciosidade" da letra
(traduzida, aí abaixo):
Vou alugar uma casa de
praia em Miami
Acordar sem pijamas
Cauda de lagosta para o jantar
Julio, sirva esse lagostim
Você pode ter isso se você quiser
Ter, ter se você quiser(...)
Pegue a minha carteira agora, se você quiser
Entre no meu Cadillac
(garota, vamos rodar umas milhas nele)
Qualquer coisa que você quiser (basta pôr um sorriso no seu rosto)
Você merece, gata, você merece tudo
E eu vou dar a você
Estas joias de ouro
brilhando
Morangos e champanhe no gelo
Sorte sua que é disso que eu gosto, é disso que eu gosto
(...)
Sexo perto da lareira
durante a noite
Lençóis de seda e diamantes, todos brancos
(...)
Eu estou falando viagens para Porto Rico
Diga a palavra e nós iremos
Você pode ser a minha safadinha
Garota, e eu vou estar no ponto, gatinha
Eu nunca faço promessas que não posso cumprir
Eu prometo que você vai sorrir e nunca vai querer ir embora
Maratonas de compras
em Paris
Tudo de 24 quilates
Dê uma olhada no espelho
Agora me diga quem é a mais bela
É você? (É você?) Sou eu? (Sou eu?)
Diga que somos nós (diga que somos nós) e eu vou concordar, baby
Remete à ostentação,
ou não???
É claro
que isso se deve a questões mercadológicas... Tenho certeza que um músico tão
bom quanto Bruno Mars, pode cantar de outra maneira e servir a outros deuses melhores
do que ao rei da futilidade e do vazio existencial. Mas não existe mais o
músico que faz o que quer...
É claro que essa idiotização serve e interessa
a alguém... Por outro lado, há uma elite intelectual que apoia, através de
movimentos midiáticos essa idiotização(lembrando da “presença de Anita”, sem
trocadilhos com a série globete, rs, nas Olimpíadas) até mesmo , pasmem,
professores universitários e intelectuais, gente ligada ao grande poder.Claro,
essa gente fatura e fatura muito com isso!
Veja-se programas como o “The Voice”
brasileiro em que Claudia Leite detém poder de grande dama da música , e
Michel Teló aparece como representante do gosto da classe popular. Mas, como é que o povo, essa entidade chamada
povo, passou a gostar de coisas assim?
Será que ele tem oportunidade de conhecer outras coisas?
Quando eu
era criança ouvíamos boa música, de tudo: Roberto Carlos (das antigas , antes de
“embregar”), Caeteano Veloso, Stevie Wonder,Tim
Maia, Beach Boys, Nina Simone, Secos e Molhados, Raul Seixas, Rita Lee,
só pra falar de 1%. Raul ; Rita; Lobão,
o doce maldito, por exemplo, frequentavam programas populares como o
Chacrinha. Mas o que se vê nos programas populares hoje em dia? Sem falar do que meu pai ouvia: música
clássica, ópera,Frank Sinatra, Lupicínio
Rodrigues, Pixinguinha (e a música de ninar que eu cantava pra minha filha
dormir sempre foi “Rosa”), coisas assim...sem falar dos fados portugueses (isso
pelo lado do meu avô, que era português...me lembro de Francisco
José: “De quem eu gosto nem às paredes confesso”rsrs); minha mãe gostava de
sambistas como Paulinho da Viola,e tinha paixonite aguda por Chico Buarque.
Também adorava Elis Regina. Imagina o caldeirão cultural a que éramos
submetidos!
Pixinguinha, o Rei
Mais tarde apareceu a Radio Rock, a Fluminense,
que tocava Blitz, Legião, U2, The Police, Lobão, Paralamas, e todo o rock
nacional emergente (que tinha boas letras, irreverência, toques políticos e qualidade artística), e poderia ser ouvido indiscriminadamente por
todas as classes.Mesmo que se diga que a classe popular não gosta de rock, o
que é uma mentira , que se pode provar facilmente...afinal , os Beatles , os
Stones e tudo o mais vieram das classes populares e hoje em dia ainda fervilha,
tentando sobreviver, o rock na Tijuca,
no Rio de Janeiro, dentro de uma classe
média popular, só pra falar do que eu sei e conheço...
Lobão, doce maldito |
As rádios tocavam até Zé Ramalho que hoje em
dia, é considerado um músico da elite. Sim, os versos poéticos, quase
surrealistas, da música de um Zé Ramalho apareciam e podiam ser apreciadas na
rádio. Hoje em dia, os filhos daquela geração que apresentam a música para seus
filhos, ainda têm acesso à boa música.E os outros? E os que virão? O que vai sobrar pra eles?
Quem está
por trás disso? É bom a gente pensar nessas coisas...
Cansei.
Volto outra
hora!
De presente
pra vocês que me leem, “Chão de Giz”;
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