sexta-feira, 30 de junho de 2017

“Todos imos embarcados na mesma nau que é o vento e todos navegamos com o mesmo vento que é o tempo; e assim como na nau, uns governam o leme, outros mareiam as velas; uns vigiam, outros dormem; uns passeiam, outros estão assentados;uns cantam, outros jogam,outros comem, outros nenhuma coisa fazem e todos igualmente caminham ao mesmo porto; assim nós, ainda que não o pareça, insensivelmente, imos passando sempre, e avizinhando-se cada um a seu fim; porque tu,conclui Ambrosio, dormes e o teu tempo anda. “ Pe Antonio Vieira 

 Cansei de brigar com o tempo: Aceito que ele existe, que ele passa, que ele é breve, que momentos são mais importantes que o decorrer dele em si, que o futuro não existe, não tecnicamente. Ele é só uma miragem. Acho que encontrei uma fórmula breve, simples e digna, talvez eficiente, de enfrentar o desafio do tempo . Tento me apaixonar por cada pequenina coisa boa que acontece, acho que não tem outro jeito... Sei, Sou obcecada pelo tempo, como os poetas árcades e os barrocos. Como John Lennon: 

 Before you cross the street
 Take my hand
Life is what happens to you 
While you're busy making other plans

 Como Gregório: 

" que o tempo trota a toda a ligeireza e imprime em toda flor sua pisada ..." 

Viver é o melhor remédio contra o veneno do tempo... 

 CARPE DIEM!!!

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Da série "Resenhas Literárias": A perturbação da narrativa ou o relato das banalidades?

 Pelas minhas andanças literárias totalmente aleatórias que não seguem data de publicação, propaganda, sugestão ou coisa qualquer que faça algum sentido lógico, me deparei um belo dia com “Tipos de Perturbação” de Lydia Davis. 



 O livro foi recomendado na ex-superestimada revista “Bravo”. A crítica “se rasgou”, foi finalista do Prêmio  National  Book Award de 2007 e, se considerarmos o fato de que sua autora é tradutora de Proust, o que, em nossa terrinha provinciana parece qualificar uma pessoa para ser lida, o livro só pode mesmo ser recomendado. Não são esses fatos e resultados que interessam?  
Não em literatura, felizmente para nós que não pensamos assim e infelizmente para os que pensam o contrário. Mas, o tempo às vezes é o juiz dos fatos...
A companhia das letras disponibilizou alguns contos na internet, li e gostei deveras do conto  “Kafka prepara o jantar” , não por acaso citado pela crítica.  Comprei o livro, empolgada por esse conto. Mas a decepção logo veio. A festejada “capacidade econômica” da autora, propalada pela resenha feita no livro, às vezes se confunde, com uma ideia precocemente apresentada do que deveria ser um conto.

Eu e o cachorro

As formigas também nos olham de baixo, e conseguem até fazer ameaças com os braços. Meu cachorro, é claro, não sabe que eu sou gente, ele acha que eu sou cachorro, apesar de eu nunca tentar saltar o portão. Eu sou um cachorro forte. Mas não ando por aí de boca aberta. Nem quando está calor, eu ando com a língua pendurada para fora. Mas eu lato para ele: “Não! Não!”

Antes que pensem mal de mim os mal intencionados,  digo que não tenho nada contra contos supercurtos, curtíssimos, brevíssimos mesmo  ao ponto de se limitarem a uma frase ou  a um título em termos de significação, contudo, alguns frustram claramente o leitor:  

Nietszche

Ah, pobre Papai. Não queria ter debochado de você.
E ainda por cima, agora estou escrevendo Nietszche errado.

E, quanto aos mais longos, talvez nem todos se mostrem tão entusiasmados, quanto uns poucos privilegiados, na aplicação paciente da leitura de um conto, por exemplo, que se assemelha a um relatório das empregadas que passaram por uma casa. A ironia latente do texto tem lá sua graça, mas as formulações repetitivas acabam por distanciar o interesse. Assim como fica difícil ler detalhes minuciosos que uma mãe pode reparar no corpo e no comportamento de seu bebê, infindáveis, fofinhos, comoventes mesmo, mas, depois de 13 páginas falando disto, sem outro fio de interesse, cá eu acabei por pensar que bebê bonitinho é sempre o da minha casa. Enfim, o conto “não pega”.

Coisas que descobrimos
a respeito do bebê


(...)
O QUE É GARANTIDO

É garantido que as coisas não serão iguais todos os dias, que ele não vai adormecer na mesma hora nem dormir pelo mesmo período de tempo (...)

FICAR IMÓVEL

 Você aprende a ficar imóvel. Aprende a olhar fixo como ele, a olhar para as vigas do teto por tanto tempo quanto ele, sentada,imóvel, num lugar espaçoso. 

É como tentar apreciar uma infinidade de fotos de uma viagem de desconhecidos ao Alaska, quando você nunca foi lá, em outras palavras, não tem a menor graça. Ou seja, a empatia, com que ela parece contar do leitor, nem sempre acontece. É tudo muito particular, particularidades essas excessivamente descritivas e exaustivas.
As propaladas “variações técnicas e de modos de abordagem” da autora, como disse a resenha,  que nem são tantas assim, na maior parte das vezes demonstram um ritmo de relatório, por vezes domésticos, dando a entrever o cotidiano da própria autora (?),  às vezes com uma certa linguagem de descoberta infantil, que quase me fez lembrar o bom Oswald de Andrade, num contexto diferente. 

Televisão

1.
Temos várias séries favoritas todas as noites na TV. Eles avisam que vai ser bom e sempre é. 

Eles nos dão indicação do que está por vir e aí vem e é muito bom. 

A expectativa é tanta que mesmo que tivesse zumbis andando na nossa rua nossa excitação não seria menor.

Mas esse tom e a casualidade forçada com que os assuntos são agrupados para formarem histórias ou algo próximo disso fazem o leitor suspeitar, aborrecido, de que Lydia Davis zomba de alguns de nós, com todo o respeito.  Juro mesmo que, ao final do livro alucinei uma imagem dela em Cape Cod (locação de um dos seus contos) se explodindo de rir.
Quando cada “conto” com sua “renovação radical” da linguagem termina, embora saibamos que sim o “esfacelamento da narrativa”  blábláblá, seja admirável, desde Ulysses,  e tenha permitido e dado tanta abertura  à  literatura, não conseguimos evitar uma sensação de engodo e de que a pílula que precisamos engolir  com toda essa historia é cada vez mais indigesta. Duchamp e seu urinol:

Índice remissivo

Cristã, não sou.

Minha experiência sincera: pulei muitas páginas, pois me senti entediada em diversos momentos e um conto inteiro que me cansou já na primeira linha e não consegui evitar a saudade de uma frase de Clarice: “escrever é mergulhar no desconhecido”, ou algo assim...
Lydia Davis parece ter muitas ideias e um bom inventário de ótimos personagens guardados num arquivo, pois é fato que, tomou carona em Kafka e fez um conto bastante perturbador que por si só valeu cada centavo do livro bem caro, também pegou carona em Proust num outro bom momento do livro. Segundo um amigo meu ela “roubou Proust”, o que achei até uma frase maldosa, mas nem por isso inconveniente...
Sobraram também alguns textos interessantes que ficariam melhores talvez, num livro de poemas em prosa, e digo isso sem purismo nenhum, mas sim supondo que ela poderia se aventurar por esse caminho, parece mesmo ser o seu preferido. E um diário sobre Cap Cod, vagamente melancólico e poético, quase bonito. Mas foi quase. Ficou devendo, pois ainda sofria em alguns momentos, daquela irritante fórmula de relato de banalidades.

Gente que vejo aqui: o funcionário dos correios; a moça simpática do caixa do supermercado, meus vizinhos, minha senhoria; a mulher que mora do outro lado do jardim e que uma vez me perguntou, num tom neutro e curioso, o que eu fazia na cidade; e ontem à noite, um barman, gordinho e gregário, que vi no filme semanal de entrada franca projetado na biblioteca pública, apesar de que com ele eu não falei. Ele estava de bandana na cabeça e botas de caubói. Tinha ido ver o filme de 1954, cujo nome me escapa (....)

O inventário de bons personagens (e não são poucos!)  aparece sem motivo e some no mesmo instante. São adornos em infinitos, infinitos, infinitos momentos...podem me chamar de antiga,  mas acho isso, de um desperdício... Foi preguiça ou falta de tempo? 

Sou grande fã de contos (é meu gênero preferido) e o que Lydia Davis me deixou foi somente a saudade de outros contistas. Acabei de pegar na estante “Chá nas Montanhas” de Paul Bowles para reler...