quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Liberal Arts

   
   É um filminho bacana. Já tinha visto uma vez e odiado, achando que era um daqueles filmes, que promete e não cumpre, com problemas de roteiro onde nada acontece, a não ser um blábláblá pseudo intelectual. Mal prestei atenção e devo, com certeza, ter dormido no meio...
   Mas num dia vazio, você acaba dando chance a coisas que já viu e não gostou. Pura falta de opção dos canais por assinatura, que são todos uma merda sem exceção ou a produção cultural da atualidade  é um lixo mesmo. Vamos combinar que o cinema já teve dias melhores...
   Seja como for, dessa vez, eu vi às sete da manhã,  num horário em que raciocino melhor e em que as minhas emoções ficam mais puras...rs
   Numa das primeiras cenas em que o protagonista tem as roupas roubadas dentro de uma lavanderia por um vagabundo e sai correndo atrás dele e, logo em seguida ouve da namorada,:   
- Essa roupa é nova?
 - É, você gostou?’ 
- Não vou te dizer isso. Não é mais minha obrigação fazer você se sentir bem com você mesmo.
enquanto ela empacota uma pilha de livros pra ir embora, eu fiquei pensando:
   “Ok, um anti-herói perdedor clássico, os meus preferidos...”
   E, nessa hora , o filme me ganhou.



   Em seguida ele parte pra uma jornada de volta aos dias de faculdade, onde segue pra  dar apoio a um professor que lhe convida pra dizer umas palavras na cerimônia de homenagem antes da aposentadoria. A cena em que ele chega ao campus da universidade e se joga na grama, feliz, abrindo os braços como se fosse um anjo livre, é sensacional e entrega tudo o que o personagem é: alguém que não cresceu e que sente preso aos anos em que tudo podia ser e ainda não era...
   É exatamente o que eu sentia nos bancos da universidade – uma sensação de que tudo poderia "vir-a- ser", uma sensação estonteante de liberdade, de que eu poderia voar em qualquer direção...
   Esse vir- a- ser é tão melhor, em todos os sentidos, do que a realidade nua e crua.
   E o filme trata realmente dessa questão, que fica clara quando ele conhece uma estudante mais jovem (Elizabeth Olsen) e virgem que decide se envolver com ele. Os dois chegam a ter uma conversa sobre tudo isso, que envolve a promessa de uma vida, depois do campus.

Elizabeth Olsen e Josh Radnor


   É um assunto inesgotável, realmente. Quantas questões envolvem o ato de crescer e ser aquilo que se pode ser, o que se espera ser depois de um conhecimento adquirido nos bancos escolares e universitários. Afinal, a universidade fica sendo ou pretende ser uma pré-reparação da vida que nunca acontece e nunca prepara ninguém...
   Como Borges, eu acredito que as Bibliotecas são metáforas da vida...não é a toa, que quase no fim do filme, ele tem uma reflexão sobre o limite da fuga da realidade através dos livros. Não se pode se fechar numa preparação eterna, para algo que há de vir, e sempre há como se perder entre os livros e as bibliotecas, num eterno vir a ser que nunca se cumpre. Você pode viver eternamente dentro de uma, sem nunca crescer, como se ela fosse um labirinto, como num conto de Borges...ela pode resumir a própria vida, e reiniciar o ciclo do vir- a - ser, eternamente....
   As bibliotecas me atraem como se fossem pedaços do paraíso, exatamente como atraem esse personagem. São representações de um eterno recomeço, de uma eterna busca...
   Há ainda outros personagens interessantes: a professora competente e cínica(e sensacional!) de Romantismo, fria e desiludida; o professor, à beira da aposentadoria, que não consegue deixar o campus, porque se sente com 19 anos, embora tenha uns setenta, talvez...mostrando que uma maneira de se sentir jovem é viver entre os jovens, mas isso não te torna mais jovem efetivamente. Um balde de água fria.
   Mas melhor mesmo é o personagem de Zac Efron, um vagabundo que anda pelo campus dizendo frases feitas, clichês maravilhosos, uma espécie de mentor inculto do protagonista. Legal a cena que ele fala da lagarta virando borboleta e de como ela tem medo da transformação e de como esse medo é inútil, pois ela virará borboleta de qualquer jeito. Elementar, meu caro Watson...



   E, digo eu,  não adianta mesmo ter medo, porque de qualquer jeito, uma borboleta  com asas, por mais assustador que seja voar por aí e perder (ou não) as próprias asas,  vale mais do que uma lagarta que se arrasta...rs

Gostei do filme!

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Da série "Fora da Gaveta": Lembrança

   Ele era obcecado por coisas vivas, que se moviam, como eu mesma e minha paixão de borboletinha infantil por caramujos que se pregavam nas paredes úmidas, oleosas, pungentes, em sua vida preguiçosa que eu arrancava e olhava bem de perto como uma cientista na frente de uma célula. Tinha o talento objetivo e preciso de um cirurgião diante de veias inflamadas. Menininho de rua, olhos amarelos, aventureiro, sem camisa, sujo, sem espelhos, sangue italiano, subversivo, desses que se coloca debaixo de árvores para ver as pernas das meninas que lá subiam. Mas a obsessão era só comigo, a menininha “burguesa”, bem arrumada, de pele sardenta, cabelos macios, presos com laços coloridos no alto da cabeça. A dama e o vagabundo. As coisas vivas, ele as aniquilava numa sanha assassina: ratos, gatos, pombos, passarinhos. Acho que me odiava também, como se eu fosse um bichinho frágil, bonito demais pra que ele não tivesse vontade de ver por dentro e teria me dissecado, pedaço a pedaço, cada centímetro da minha pele, como um Dr. Victor Frankenstein, se pudesse. (...) 

terça-feira, 18 de julho de 2017

Idiotização das gerações: as palavras e a música.

   Se você é professor de Língua Portuguesa experimente fazer uma coisa bem antiga e caída de moda com os seus alunos: um ditado de palavras. Um simples ditado. Peça pra que eles digam depois quais as palavras que eles conhecem. Você ficará surpreendido (e não no sentido positivo) com o resultado. Alguns não vão saber nem escrever as palavras que você irá ditar. Pra mim, isso funciona como um diagnóstico. Daí eu sei quem eu tenho nas mãos e o quanto de trabalho vai me custar. Se um médico pede exames, um professor precisa enxergar com uma lente bem clara a “doença” que tem pela frente.
   A falta de vocabulário, já dizia Paulo Rónai, impede o pensamento. É uma doença, portanto, já que somos seres pensantes. Ou não somos?
   Ah, as palavras.  As palavras são coisas antigas, códigos indecifráveis....eles até se riem de algumas:  “Que palavra é essa, professora?” “Pra que usar uma palavra como essa?” . Às vezes é uma palavra ridiculamente banal, alguma que eu já sabia o que significava desde os meus onze anos, mas eles nunca a viram, NUNCA, e já estão pra ingressar na faculdade, porém  não veem necessidade de usar ou saber o que significam se conseguem se comunicar usando um “qualé”? Um dia usei a expressão:  “a perder de vista” e me perguntaram o que significava “aquilo”...
   Que mundo é esse em que vivem esses jovens? Um mundo sem palavras é um mundo que reduz o homem à bestialidade. E, culturalmente já estamos vivendo essa bestialidade representada nas músicas populares brasileiras atuais, na produção cultural da TV, na imprensa, que mal merece o nome que tem, em todo lugar .
   A falta de pensamento impera em tudo, a mesmice, o olhar viciado, a repetição, a falta de ideias, o veneno do imediato, que canta abreviando as palavras, que não são mais bem vindas.  Eis o que impera no mundo da música que esses adolescentes escutam:

    “Eu quero tchu, eu quero tchã. Eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tchã. Tchu tcha tcha tchu tchu tchã”.

   Tudo está dito. Pra que usar palavras?  A onomatopoeia garante a expressividade total….


“Sou simples. Mas eu te garanto. Eu sei fazer o Lê lê lê. Lê lê lê. Lê lê lê. Se eu te pegar você vai ver. Lê lê lê. Lê lê lê”.
    
   Viu só? Que maravilha de expressividade!
    
  Esse aí é o cawboy universitário, ou melhor, o sertanejo otário...rs Elementar , meu caro Watson…

   E nem é a pior coisa que existe. Pior, pior mesmo é o nível do funk criminoso, que anda por aí, com MCs de 12 anos falando obscenidades violentas e sendo consumido normalmente e produzido por gente, obviamente, sem ética, sem gosto musical, sem senso de humanidade, sem amor no coração...pra dizer o mínimo.
Mas as pessoas acham divertido e inocente tudo isso. Acham legal que uma pessoa como Anita faça carreira internacional e seja considerada uma grande  artista  Não é a toa que ela cantou com Caetano na abertura da Olimpíada pra mostrar o Status quo.  Para se consagrar como grande artista. E mostrar quem ‘’é que manda” na música nesse país. Os fãs de Anita e desses funkeiros ferozes (são inumeráveis, mas mal consegui terminar de ver um clipe de um deles) , dizem que eles são o que o    povo quer, têm sua razão de ser.  Para mim, é aviltante....
   Vi inclusive um deles que usa correntes grossas de ouro no pescoço, quilos de ouro, sendo entrevistado num programa de moda bem conhecido, que não vou citar o nome, que não quero me comprometer( dado o momento estranho que estamos vivendo), como se, seu estilo de vida, de música e de se vestir fosse uma coisa bacana, venerável e digna de ser copiada como exemplo, Esse,  tem até nome.  Chama-se: “funk ostentação”.  

Funk ostentação
   Lendo comentários da área de música na internet, que é uma coisa que me interessa e da qual me sinto próxima, pois minha filha trabalha com música, vi alguém dizendo que isso não é só no Brasil, é uma tendência mundial. Dei-me ao trabalho de verificar com calma a letra de uma música de um top americano, que, aliás considero um músico fantástico, devo dizer(o Bruno Mars) , mas vejam a “preciosidade" da letra (traduzida,  aí abaixo):

Vou alugar uma casa de praia em Miami

Acordar sem pijamas
Cauda de lagosta para o jantar
Julio, sirva esse lagostim
Você pode ter isso se você quiser
Ter, ter se você quiser(...)

Pegue a minha carteira agora, se você quiser

Entre no meu Cadillac (garota, vamos rodar umas milhas nele)

Qualquer coisa que você quiser (basta pôr um sorriso no seu rosto)
Você merece, gata, você merece tudo
E eu vou dar a você

Estas joias de ouro brilhando 

Morangos e champanhe no gelo
Sorte sua que é disso que eu gosto, é disso que eu gosto
(...)

Sexo perto da lareira durante a noite

Lençóis de seda e diamantes, todos brancos
(...)
Eu estou falando viagens para Porto Rico
Diga a palavra e nós iremos
Você pode ser a minha safadinha
Garota, e eu vou estar no ponto, gatinha
Eu nunca faço promessas que não posso cumprir
Eu prometo que você vai sorrir e nunca vai querer ir embora

Maratonas de compras em Paris

Tudo de 24 quilates
Dê uma olhada no espelho
Agora me diga quem é a mais bela
É você? (É você?) Sou eu? (Sou eu?)
Diga que somos nós (diga que somos nós) e eu vou concordar, baby


   Remete à ostentação, ou não???
    É claro que isso se deve a questões mercadológicas... Tenho certeza que um músico tão bom quanto Bruno Mars, pode cantar de outra maneira e servir a outros deuses melhores do que ao rei da futilidade e do vazio existencial. Mas não existe mais o músico que faz o que quer...
   É claro que essa idiotização serve e interessa a alguém... Por outro lado, há uma elite intelectual que apoia, através de movimentos midiáticos essa idiotização(lembrando da “presença de Anita”, sem trocadilhos com a série globete,  rs,  nas Olimpíadas) até mesmo , pasmem, professores universitários e intelectuais, gente ligada ao grande poder.Claro, essa gente fatura e fatura muito com isso!
   Veja-se programas como o  “The Voice”  brasileiro em que Claudia Leite detém poder de grande dama da música , e Michel Teló aparece como representante do gosto da classe popular. Mas,  como é que o povo, essa entidade chamada povo,  passou a gostar de coisas assim? Será que ele tem oportunidade de conhecer outras coisas? 
   Quando eu era criança ouvíamos boa música,  de tudo: Roberto Carlos (das antigas , antes de “embregar”), Caeteano Veloso, Stevie Wonder,Tim  Maia, Beach Boys, Nina Simone, Secos e Molhados, Raul Seixas, Rita Lee, só pra falar de 1%. Raul ; Rita;  Lobão, o doce maldito, por exemplo,  frequentavam programas populares como o Chacrinha. Mas o que se vê nos programas populares hoje em dia?  Sem falar do que meu pai ouvia: música clássica, ópera,Frank Sinatra,  Lupicínio Rodrigues, Pixinguinha (e a música de ninar que eu cantava pra minha filha dormir sempre foi “Rosa”), coisas assim...sem falar dos fados portugueses (isso pelo lado do meu avô,  que era português...me lembro de Francisco José: “De quem eu gosto nem às paredes confesso”rsrs); minha mãe gostava de sambistas como Paulinho da Viola,e tinha paixonite aguda por Chico Buarque. Também adorava Elis Regina. Imagina o caldeirão cultural a que éramos submetidos!

Pixinguinha, o Rei

    Mais tarde apareceu a Radio Rock, a Fluminense, que tocava Blitz, Legião, U2, The Police, Lobão, Paralamas, e todo o rock nacional emergente (que tinha boas letras, irreverência, toques políticos  e qualidade artística), e  poderia ser ouvido indiscriminadamente por todas as classes.Mesmo que se diga que a classe popular não gosta de rock, o que é uma mentira , que se pode provar facilmente...afinal , os Beatles , os Stones e tudo o mais vieram das classes populares e hoje em dia ainda fervilha, tentando sobreviver,  o rock na Tijuca, no Rio de Janeiro,  dentro de uma classe média popular, só pra falar do que eu sei e conheço...

Lobão,  doce maldito 

    As rádios tocavam até Zé Ramalho que hoje em dia, é considerado um músico da elite. Sim, os versos poéticos, quase surrealistas, da música de um Zé Ramalho apareciam e podiam ser apreciadas na rádio. Hoje em dia, os filhos daquela geração que apresentam a música para seus filhos,  ainda têm acesso à boa  música.E os outros? E os que virão? O que vai sobrar pra eles?
   Quem está por trás disso? É bom a gente pensar nessas coisas...
   Cansei. 

   Volto outra hora!

De presente pra vocês que me leem, “Chão de Giz”;


sexta-feira, 30 de junho de 2017

“Todos imos embarcados na mesma nau que é o vento e todos navegamos com o mesmo vento que é o tempo; e assim como na nau, uns governam o leme, outros mareiam as velas; uns vigiam, outros dormem; uns passeiam, outros estão assentados;uns cantam, outros jogam,outros comem, outros nenhuma coisa fazem e todos igualmente caminham ao mesmo porto; assim nós, ainda que não o pareça, insensivelmente, imos passando sempre, e avizinhando-se cada um a seu fim; porque tu,conclui Ambrosio, dormes e o teu tempo anda. “ Pe Antonio Vieira 

 Cansei de brigar com o tempo: Aceito que ele existe, que ele passa, que ele é breve, que momentos são mais importantes que o decorrer dele em si, que o futuro não existe, não tecnicamente. Ele é só uma miragem. Acho que encontrei uma fórmula breve, simples e digna, talvez eficiente, de enfrentar o desafio do tempo . Tento me apaixonar por cada pequenina coisa boa que acontece, acho que não tem outro jeito... Sei, Sou obcecada pelo tempo, como os poetas árcades e os barrocos. Como John Lennon: 

 Before you cross the street
 Take my hand
Life is what happens to you 
While you're busy making other plans

 Como Gregório: 

" que o tempo trota a toda a ligeireza e imprime em toda flor sua pisada ..." 

Viver é o melhor remédio contra o veneno do tempo... 

 CARPE DIEM!!!

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Da série "Resenhas Literárias": A perturbação da narrativa ou o relato das banalidades?

 Pelas minhas andanças literárias totalmente aleatórias que não seguem data de publicação, propaganda, sugestão ou coisa qualquer que faça algum sentido lógico, me deparei um belo dia com “Tipos de Perturbação” de Lydia Davis. 



 O livro foi recomendado na ex-superestimada revista “Bravo”. A crítica “se rasgou”, foi finalista do Prêmio  National  Book Award de 2007 e, se considerarmos o fato de que sua autora é tradutora de Proust, o que, em nossa terrinha provinciana parece qualificar uma pessoa para ser lida, o livro só pode mesmo ser recomendado. Não são esses fatos e resultados que interessam?  
Não em literatura, felizmente para nós que não pensamos assim e infelizmente para os que pensam o contrário. Mas, o tempo às vezes é o juiz dos fatos...
A companhia das letras disponibilizou alguns contos na internet, li e gostei deveras do conto  “Kafka prepara o jantar” , não por acaso citado pela crítica.  Comprei o livro, empolgada por esse conto. Mas a decepção logo veio. A festejada “capacidade econômica” da autora, propalada pela resenha feita no livro, às vezes se confunde, com uma ideia precocemente apresentada do que deveria ser um conto.

Eu e o cachorro

As formigas também nos olham de baixo, e conseguem até fazer ameaças com os braços. Meu cachorro, é claro, não sabe que eu sou gente, ele acha que eu sou cachorro, apesar de eu nunca tentar saltar o portão. Eu sou um cachorro forte. Mas não ando por aí de boca aberta. Nem quando está calor, eu ando com a língua pendurada para fora. Mas eu lato para ele: “Não! Não!”

Antes que pensem mal de mim os mal intencionados,  digo que não tenho nada contra contos supercurtos, curtíssimos, brevíssimos mesmo  ao ponto de se limitarem a uma frase ou  a um título em termos de significação, contudo, alguns frustram claramente o leitor:  

Nietszche

Ah, pobre Papai. Não queria ter debochado de você.
E ainda por cima, agora estou escrevendo Nietszche errado.

E, quanto aos mais longos, talvez nem todos se mostrem tão entusiasmados, quanto uns poucos privilegiados, na aplicação paciente da leitura de um conto, por exemplo, que se assemelha a um relatório das empregadas que passaram por uma casa. A ironia latente do texto tem lá sua graça, mas as formulações repetitivas acabam por distanciar o interesse. Assim como fica difícil ler detalhes minuciosos que uma mãe pode reparar no corpo e no comportamento de seu bebê, infindáveis, fofinhos, comoventes mesmo, mas, depois de 13 páginas falando disto, sem outro fio de interesse, cá eu acabei por pensar que bebê bonitinho é sempre o da minha casa. Enfim, o conto “não pega”.

Coisas que descobrimos
a respeito do bebê


(...)
O QUE É GARANTIDO

É garantido que as coisas não serão iguais todos os dias, que ele não vai adormecer na mesma hora nem dormir pelo mesmo período de tempo (...)

FICAR IMÓVEL

 Você aprende a ficar imóvel. Aprende a olhar fixo como ele, a olhar para as vigas do teto por tanto tempo quanto ele, sentada,imóvel, num lugar espaçoso. 

É como tentar apreciar uma infinidade de fotos de uma viagem de desconhecidos ao Alaska, quando você nunca foi lá, em outras palavras, não tem a menor graça. Ou seja, a empatia, com que ela parece contar do leitor, nem sempre acontece. É tudo muito particular, particularidades essas excessivamente descritivas e exaustivas.
As propaladas “variações técnicas e de modos de abordagem” da autora, como disse a resenha,  que nem são tantas assim, na maior parte das vezes demonstram um ritmo de relatório, por vezes domésticos, dando a entrever o cotidiano da própria autora (?),  às vezes com uma certa linguagem de descoberta infantil, que quase me fez lembrar o bom Oswald de Andrade, num contexto diferente. 

Televisão

1.
Temos várias séries favoritas todas as noites na TV. Eles avisam que vai ser bom e sempre é. 

Eles nos dão indicação do que está por vir e aí vem e é muito bom. 

A expectativa é tanta que mesmo que tivesse zumbis andando na nossa rua nossa excitação não seria menor.

Mas esse tom e a casualidade forçada com que os assuntos são agrupados para formarem histórias ou algo próximo disso fazem o leitor suspeitar, aborrecido, de que Lydia Davis zomba de alguns de nós, com todo o respeito.  Juro mesmo que, ao final do livro alucinei uma imagem dela em Cape Cod (locação de um dos seus contos) se explodindo de rir.
Quando cada “conto” com sua “renovação radical” da linguagem termina, embora saibamos que sim o “esfacelamento da narrativa”  blábláblá, seja admirável, desde Ulysses,  e tenha permitido e dado tanta abertura  à  literatura, não conseguimos evitar uma sensação de engodo e de que a pílula que precisamos engolir  com toda essa historia é cada vez mais indigesta. Duchamp e seu urinol:

Índice remissivo

Cristã, não sou.

Minha experiência sincera: pulei muitas páginas, pois me senti entediada em diversos momentos e um conto inteiro que me cansou já na primeira linha e não consegui evitar a saudade de uma frase de Clarice: “escrever é mergulhar no desconhecido”, ou algo assim...
Lydia Davis parece ter muitas ideias e um bom inventário de ótimos personagens guardados num arquivo, pois é fato que, tomou carona em Kafka e fez um conto bastante perturbador que por si só valeu cada centavo do livro bem caro, também pegou carona em Proust num outro bom momento do livro. Segundo um amigo meu ela “roubou Proust”, o que achei até uma frase maldosa, mas nem por isso inconveniente...
Sobraram também alguns textos interessantes que ficariam melhores talvez, num livro de poemas em prosa, e digo isso sem purismo nenhum, mas sim supondo que ela poderia se aventurar por esse caminho, parece mesmo ser o seu preferido. E um diário sobre Cap Cod, vagamente melancólico e poético, quase bonito. Mas foi quase. Ficou devendo, pois ainda sofria em alguns momentos, daquela irritante fórmula de relato de banalidades.

Gente que vejo aqui: o funcionário dos correios; a moça simpática do caixa do supermercado, meus vizinhos, minha senhoria; a mulher que mora do outro lado do jardim e que uma vez me perguntou, num tom neutro e curioso, o que eu fazia na cidade; e ontem à noite, um barman, gordinho e gregário, que vi no filme semanal de entrada franca projetado na biblioteca pública, apesar de que com ele eu não falei. Ele estava de bandana na cabeça e botas de caubói. Tinha ido ver o filme de 1954, cujo nome me escapa (....)

O inventário de bons personagens (e não são poucos!)  aparece sem motivo e some no mesmo instante. São adornos em infinitos, infinitos, infinitos momentos...podem me chamar de antiga,  mas acho isso, de um desperdício... Foi preguiça ou falta de tempo? 

Sou grande fã de contos (é meu gênero preferido) e o que Lydia Davis me deixou foi somente a saudade de outros contistas. Acabei de pegar na estante “Chá nas Montanhas” de Paul Bowles para reler...

terça-feira, 28 de março de 2017

Da série: RESENHAS LITERÁRIAS: Onde está Sandrine?




É possível gostar e não gostar de um livro?
Acho que sim, principalmente depois que li este estranho exemplar, comprado numa feirinha de livros a preço de banana: 10,00. O título é curioso, e pensei que talvez, vem desde essa época(a edição é de 1999) essa maluca atração(seria marketing?) por títulos estapafúrdios que circulam nos dias hoje nos meios literários. Este aqui se chama: “A cabeça no fundo do entulho”. Na capa está escrito:  “romance”.
Mas na contracapa o resenhista fala de três novelas. Como não li a resenha, pois só leio sobre o que falam do livro depois que o leio inteiro, pra não me influenciar (já que somos essa estranha terra de seres influenciáveis demais e, como eu detesto do fundo do meu coração tal condição miserável e luto contra ela), me abstenho disso. Portanto para mim, se tratava de um romance.
O livro é de leitura difícil, dado o estilo barroquista, atravessado, com pontuação de fôlego longo, cheio de citações paralelas, tentativas de poesia no meio, etc.  Isso não chega a ser um problema pra mim que adoro leituras difíceis,  e quanto mais difícil, melhor me sinto. Um traço masoquista, por certo.
Tudo começou bem. O personagem era um advogado, filho da puta como a maioria deles; mas com bom humor, culto, relativamente sensível, perspicaz, mulherengo, meio moralista demais pra um advogado e que tinha tesão em mulheres vulgares , como deixa transparecer ao ir logo pra cama com a cliente , sem cultura , interesseira, que herda uma fortuna que não pode gastar. É isso mesmo, ela recebe milhões em obras de arte de um tio que teria se envolvido em desvios e compras de roubos de pintores valiosos durante a segunda guerra. Como se sabe, o tema não é novo e até os americanos já fizeram filme sobre isso, com George Clooney. Porém, o livro é de 1999, então, pode ser que fosse um tema pouco conhecido na época: o de que os nazistas, o papa e a Santa Madre Igreja Católica são uns safados e ladrões de obras das famílias que abandonaram suas fortunas ao irem pra outros países fugindo da guerra...
Bom. Digerido o assunto, me doeu ver como a personagem feminina, apesar do nome horroroso: Sandrine, que este eu não pude digerir MESMO, tão bem descrita nas primeiras cenas como horrivelmente frívola, que quase temos pena dela e a amamos justamente por isso,  de repente, é lançada de um só golpe à categoria de amante, numa rapidez de fazer inveja a Hermes. Eu, que mal me acostumara com a prematura atração dos dois, quase banal, por ser tão rápida, não pude absorver bem aquilo. No “capitulo seguinte” o leitor é lançado a uma visão quase celeste de Sandrine na cama de nosso advogado. Mas, puxa, ele agora fala dela, como se ela fosse um anjo:

É muito bonita dormindo. Seus cabelos ruivos se espalham sobre as costas suaves (...)
Tem a pele branca , macia: parece mesmo(são imagens gastas) a pele de um longo bebê estirado (...)

O mesmo que páginas antes teria dito da personagem:

“ Sandra. Sandrine. Que pena. Você é bonita, mas...pense- de vez em quando, pelo menos.”  

A pior coisa que um autor pode fazer é trair um personagem...
Eu gostava de Sandrine vulgar, louca pela herança, a “vênus” romana deformada” ...rs. Quero minha Sandrine de volta!!! , pensei. Será que ele não tinha nada melhor a fazer com Sandrine  do que jogá-la na cama com o advogado?
Claro que não! Ele não podia deixar o advogado sem Sandrine, Sandrine sem o maldito advogado... é de praxe no cinema ( o autor tem influencia cinematográfica) as cenas de interesse sexuais.Na minha reles opinião , nem sempre essa mania do cinema invadir a literatura , dá certo. O contrário, é que sim, pois sabemos muito bem que é o cinema que precisa (e vive!)  da literatura e não ela dele...
E  lá estava aquela cena esdrúxula de tentativa de romantismo , numa história em que, na minha cabeça de leitora, não cabia.
E vamos mais: o autor tem muita informação pra dar. É culto, como observou o autor da orelha. Isso lhe permite que encha o seu livro com informações que passam de Piero della Francesca, Piero Di Cosimo, Duke Ellington, Mastroianni, Ascenso Ferreira, Ercolle Martteotti, Dino Risi e outros dos quais  muita gente jamais ouviu falar, cuspindo  informações culturais a torto e `a direita. Gosto de citações em textos literários... até certo ponto.Mas, já se sabe , isso é uma característica do texto pós- moderno e , principalmente , dos escritores que amam o cinema, ou simplesmente daqueles que tem cultura demais e não conseguem controlar o próprio discurso sem sair cuspindo tudo o que sabem(o que parece ser o caso desse escritor aqui).Seu discurso soa incontrolável, às vezes...
Voltando a Sandrine, ela tem um final borrado para uma personagem que já vinha perdendo a cor e a força ao longo da narrativa. E me espantei quando, no capítulo seguinte me deparei com a ausência de Sandrine, (já que a história parecia inacabada) e uma historia nada a ver com o escritor Camilo José Cella.
 Sem entender nada, mas curtindo muito a historia adorável (só porque eu amo de paixão histórias com escritores, não que fosse adorável, de fato, mas o era pra mim), que na verdade, parecia mais uma anedota em tamanho- família anexada no livro. Vi que havia algo estranho, já que Sandrine não voltava.
 Voltei pra orelha do livro e descubro que a historia de Sandrine  tinha ficado pra trás, não era um romance, eram 3 novelas!!! A editora classificou como romance por um erro, talvez. Então, eu que já vinha esperando um romance que envolvesse na mesma história, Camilo José Cella e Sandrine , fiquei totalmente desapontada.
A terceira história (terceira novela) e tão estranha que nem quero comentar. Parece saída de um filme americano. É a história de um agente inglês envolvido numa trama quase ininteligível. Com tiradas sarcásticas, códigos sinistros, pistas que não levam a lugar nenhum nem o pobre agente perdido numa trama, nem o leitor, que fica cansado e com saudade do James Bond. E, pra falar a verdade, agente de CIA pra mim, só mesmo Sean Connery, digo James Bond, ele mesmo.
É óbvio que se tratava de uma paródia, com todas as cores da parafernália cinematográfica e os chavões e eu estava justo pensando em Bond, quando o autor o cita numa página, numa falta de confiança no leitor(?), como se este não fosse capaz de entrevê-lo ali. E, sei lá, pra mim soou um pouco falso. Nada mais falso do que um escritor brasileiro escrevendo uma trama de espionagem inglesa, mesmo sendo uma paródia...
 De forma geral, gostei do estilo do autor pela desenvoltura em ser quem ele é. Admiro a coragem daqueles que escrevem parágrafos imensos cheios de travessões e parênteses, com citações muitas vezes desnecessárias, algumas que parecem estar ali por pura pretensão,  como se não existisse a pausa do leitor pra respirar. Uma herança proustiana, de quem aliás,  eu só li, pra deixar bem claro,  o Caminho de Swam.
E é por isso tudo que digo que gostei e não gostei do livro.  Devo dizer que o autor é: intrigante, irritante, pedante e tem uma memória cinematográfica admirável. O que podem ser consideradas boas qualidades num escritor...

https://www.youtube.com/watch?v=jao56su7bP4