sexta-feira, 27 de maio de 2016

O que sonhamos...


Estamos num ônibus de excursão. O motorista parece perdido, sobe e desce ruas sem saber aonde vai. Chamo B. , que está dormindo em sua cadeira e o convido a descer comigo. Ele me olha desconfiado mas,  desce assim mesmo, aborrecido. Todos ali parecem ser nossos amigos e ficaram dias viajando conosco, mesmo assim , saímos sem nos despedir de ninguém. De repente, eu percebo que não sei onde estou, o ponto do ônibus que deveria nos levar pra casa não está lá. B. me olha furioso. Peço pra ele esperar enquanto entro num bar onde todos os garçons servem vestidos apenas de cuecas brancas. Um deles me diz onde fica o ponto. Saio confiante, mas B. fugiu. Ele reaparece num parque que fica incrivelmente inclinado no fim da rua, mas não é mais adulto. Ele deve ter agora uns 10 anos de idade e veste uma bermuda azul que caberia num adulto. Eu grito pra que ele me espere, mas ele some no meio das árvores. Eu vou até o parque, mas descubro que as pontes se movem quando andamos sobre elas e os caminhos desaparecem aqui e ali. Eu tento me equilibrar numa ponte  e chego  no que parece ser o final do parque. Encontro uma rua com uma vila de casas muito antigas , desbotadas e maltratadas. Todas elas tem torres e uma delas, a do meio da vila, tem um relógio de sol dentro da torre. Uma criança passa e grita pra sua mãe: 


- Olha!!! Eu queria morar naquela casa!

Eu rio e digo pra ela: 

- Toda criança devia morar numa casa com um relógio de sol.

A mãe me olha furiosa e diz: 

- Se você falar isso de novo na frente dela, eu te mato!!

E sai arrastando a criança pelas mãos...
(...)
Isso poderia ser o roteiro de um filme surreal, mas é apenas parte do sonho que tive esta noite...

Sonhos são coisas estranhas. O senso comum diz que eles organizam a nossa vida, mas a maior parte deles parece nos jogar na cara, o quanto nossa vida é limitada. Meu pai me diz que tomadores de  soníferos nunca sonham, por isso ele não sonha. Em homenagem a ele escrevi uma vez um conto de um homem que nunca sonhava, mas acaba, sem querer,  entrando dentro do sonho da filha e vê o que ela sonha...

(Eu poderia mesmo doar um pouco dos meus sonhos, porque são muitos...)

Uma coisa comum nos meus sonhos é ver os adultos virarem crianças, crianças virarem velhos e assim por diante, ninguém garante a idade que tem neles. Também pessoas que já morreram aparecem ligadas a outras que nunca se conheceram em vida. Acho que Freud chamava a isso de deslocamento ou condensação, não estou bem lembrada...rs

Minha filha, por exemplo, nunca aparece com a idade que tem neles, ela é sempre criança, nem por isso, seu fardo é menos pesado, digamos assim.  Tanto que num sonho que tive com ela, um dos mais emblemáticos, ela era obrigada a carregar uma mala muito, muito, muito pesada, só que ela era criança, mas não era criança....enfim , essa confusão. Contado desse jeito e sem detalhes não parece nada, mas foi um sonho muito perturbador.

Outra coisa recorrente nos meus sonhos são o que chamo de “Sonhos de Alice”, onde alguém é muito grande ou muito pequeno para caber ou passar por algum lugar. Tive um desses recentemente,   onde uma  antiga colega de trabalho me torturava dentro de um lugar que parecia ser uma Kombi gigante, mas onde eu deveria andar me rastejando por dentro de uns tubos de PVC em que eu mal cabia, não antes de encontrar um dado par de sapatos que eu perdera....socorro!Esse,  acho, que foi da categoria pesadelos, com certeza!


Meus pesadelos envolvem também animais selvagens (parece que é algo muito comum), que são como lobos gigantes (de qualquer maneira animais que eu nunca vi) e cobras, muitas cobras rastejantes, geralmente negras....num deles, elas apareciam num fundo de uma  piscina ENORME, no meio de uma festa...

Também envolvem cidades detonadas (e olha que eu nunca participei de uma guerra...rs) mas parece que isso veio de outra vida ou sei lá o quê. Só pode...rs. A sensação de estar em lugares destruídos, bombardeados, esquecidos pelo tempo, escombros, construções,  aparece sempre.

Também música é algo presente nos meus sonhos. Eu não sei por que nunca me lembro delas quando acordo,  o que só aconteceu uma vez com uma abertura de voz muito delicada, que ficou na minha cabeça até hoje. Acho que é porque não estudei música, se tivesse estudado, tenho certeza que ia compor a partir desses sonhos, como Mc.Cartney fez com Yesterday que apareceu pra ele num sonho, toda , inteira. Ele achou tão f...que acordou desconfiado pensando que a música já existisse, mas não. Era dele, ou melhor, do sonho inteiro dele.



Incrível, não? (Se eu tivesse juízo, tratava de ir estudar um pouco de música...rs.)

Festas com convidados que nunca estariam juntos no tempo ou no espaço (a tal da condensação) ; primas conversando felizes; mar IMENSO; paredes se desfazendo, virando pó; a praia de Icaraí como uma escarpa alta como a costa da Sardenha, o mar azul, incrivelmente azul e  uma espécie de carro de polícia preto e grande, tudo isso ao som de um rock alucinado, mas de repente o carro de polícia não está mais lá , mas  equilibrado  exatamente em cima da Pedra do Índio..... Quantos sonhos pra lá de doidos!!!...rs

Mas, legal mesmo é o sonho de voar. Num, relativamente recente , eu e meu namorado estávamos voando. Não exatamente voando e pra variar, o cenário era horroroso: uma zona rural devastada, empoçada e enlameada. Mas, nós estávamos lá numa espécie de céu meio cinza (como o de São Paulo...rs), com asas  também meio cinzas, a dele era maior do que a minha. A julgar pelo voo mesquinho dos dois (devíamos ser anjos recentes ou algo do tipo), pois eu, principalmente, não fazia a menor ideia de como voar mais alto do que fazíamos, mas ele batia as asas com força e por fim, atingia uma altura considerável, enquanto eu ficava embaixo...

Chagall , meu pintor de sonhos

Nem todo sonho de voar envolve asas. Num outro, eu levitei numa altura de mais ou menos uns cinco metros, vestida de amarelo com uma roupa ridícula de evangélica, saia combinando com a blusa...rs. Fazia isso suando frio pra escapar de alguma coisa que eu não lembro...

Esses sonhos envolvendo voos são , de qualquer forma,  os meus preferidos.

Agora, chega de loucuras....rs...

Coisa de feriado!

E vocês aí, sonham?




quinta-feira, 12 de maio de 2016

SE ESSA RUA FOSSE MINHA...

“Sempre tive um caso de amor com as ruas...”
Crônica de um louco amor, Charles Bukowski

Imagine um mundo sem ruas, onde todos vivam em condomínios isolados?

Minha filha me fala de um apartamento sensacional que a amiga comprou no recreio. Tem sauna, piscina, playground, sala de yoga, hamburgueria, correios, etc etc etc.

Logo pra mim, essa menininha de rua que vos fala criada em casa de vila. A rua era o nosso playground particular e as calçadas, onde as crianças corriam livremente sem problemas brincando no dia a dia e nas vilas próximas às casas da rua (as vilas eram os cantos  e becos magníficos e amados).

(Mas no meu bairro estão acabando com todas as vilas antigas pra construir prédios hediondos , iguais entre si. Niterói é a falange dos construtores  sem escrúpulos e dos ricos de mau gosto e sem tradição, sem dó , sem piedade, sem senso de história: para isso eles vão a Europa uma vez por ano bater fotos e se dão por satisfeitos enquanto enfeiam a própria cidade...

 Se deixarmos transformarão isso aqui numa Barra da Tijuca com direito à “Estátua da Liberdade” e pior: colocarão suas horrendas mansões impedindo o acesso às praias, como aliás,  já aconteceu em Camboinhas , sem que muita gente percebesse e o prefeito “felizinho” da época,  permitiu .

Mas, ainda não acabaram  as previsões horríveis: aquele início horroroso de Itacoatiara parecendo Miami, já é prenúncio de algo muito ruim. O fim estará próximo quando surgirem  quiosques vendendo taças de prosecco(como em Búzios) e louras platinadas da coluna social do início ao fim,os doidões do pampo sumirão e Itacoa virará a Babilônia que essas pessoas  almejam: ridícula, frívola, espetaculosa.  Como Itacoa é uma praia amada por meio mundo, espero que esse meio mundo impeça que isso aconteça...

Onde o homem chega , tudo se estraga.. Isso é um fato!)

Feita essa digressão infeliz, digo que foi num fundo de vila que criei um palco improvisado na garagem de meu pai(com direito  à cortina de abrir e fechar) pra fazer o conto de Natal de Charles Dickens (versão Disney) encenada pelos meus amigos de oito anos e dirigida por mim(de 11 anos, um “prodígio”! rs), cuja plateia  foi formada por nossos pais, que se impressionaram vivamente(uns bobos!) com nossa criatividade infantil tão natural quão tão pouco explorada por eles...uma pena!

(Eram tempos duros. Nos colégios cantávamos o hino da bandeira, decorávamos tabuada e verbos irregulares em inglês e português , enquanto os adultos não tinham a mínima ideia do que se passava nas nossas cabeças..)

Seja como for, na rua é que conhecíamos as loucas (no meu caso, a vizinha da frente); o padeiro bem humorado da esquina; o borracheiro  sempre sujo que nunca nos dava um sorriso; os árabes da casa rica da esquina e suas festas barulhentas; o filho brigão da casa de fundos; o que vivia pelado na casa da frente ; o babão que quando falava cuspia  muito em todos e fazia as crianças pequenas rirem...

A rua e suas impressões:  ela enriquecia aqueles que a vivenciavam.

É na rua que você tem a experiência das diferenças. Só quando se está na rua  é que você observa o outro. Mas se você mora num condomínio fechado pra rua e ali tem tudo o que precisa, você deixa de viver essa coisa essencial: o contato com os outros, de outras classes, com outras ideias, com outras posturas, outras dimensões de vida...é um mundo na bolha, literalmente!Você vai morar entre iguais (com  o mesmo nível social, as mesmas ideias, as mesmas escolas, o mesmo trânsito, o mesmo restaurante, blá, blá,blá.)

A rua é o lugar do imprevisto. E  mesmo hoje, em que a minha infância já vai longe(e eu nem percebi...rs), ela ainda é o lugar onde você encontra todo tipo de gente e de experiência; onde explode uma bomba, onde uma árvore tomba atravessada; onde  alguém é atropelado ; pombos são alimentados por idosos; uma louca de cabelo azul passa gritando que vai matar alguém; o sapateiro é assaltado; o relojoeiro muda-se;uma procissão surge inesperada da igreja em frente; alguém grita vendendo sucata:  “geladeira velha, máquina velha”;e, num dia um poste cai e, de repente, todos aqueles moradores que jamais se falaram estarão todos lá de pijama à meia noite, convivendo e se reconhecendo  de outros momentos partilhados na mesma padaria, no mesmo supermercado,  no mesmo ponto de ônibus, no mesmo boteco belo, velho, sujo e português onde comeram um bolinho de bacalhau num dia em que choveu demais...


A rua, essa coisa tão antiga, da qual eu já tenho saudades.