domingo, 14 de junho de 2015

Da série "Fora da gaveta": As aventuras de Mademoiselle L.

Mademoiselle L. era professora, das antigas. Tinha sido educada em colégio de freiras e aquela coisa toda. Espantou-se num dia em que um aluno chegou à frente do quadro e : “click” bateu uma foto no celular da sua aula escrita pacientemente no quadro branco com pilot. Suspirou profundamente, suspiro tão profundo que, outra aluna, dessas solícitas que, por incrível que pareça volta e meia ainda existem por aí, ficou preocupada:

- Professora , você  está passando mal?

Mademoiselle L. não respondeu, odiava que um aluno a interpelasse com perguntas pessoais, então não tinha esse povo noção mesmo de limites, imagina fazer assim, uma interrogação pessoal a um professor. Considerava-se uma tela em branco, onde escreveria tão somente o discurso de sua sabedoria. Deu outro suspiro. Mais profundo ainda.

Ninguém respeitou.

Um minuto depois recebeu como presente  uma bolinha de papel na cabeça, enquanto alunos no canto esquerdo da sala davam risadinhas dela. Mademoiselle percebeu. Mas continuou, imperturbável. Era de uma elegância fenomenal. Um aluno indecente perguntou se podia ir “mijar”. Mademoiselle corou. Levantou os olhos pro céu em grande sinal de súplica, lembrando uma pintura dos "Martírios de São Sebastião".

O aluno insolente repetiu: “Posso professora , ir mijar?”. Mademoiselle, perturbada, já com todos rindo, respondeu como uma esfinge impenetrável:

- Vocë tem licença para ir ao banheiro.

O moleque riu feito um demônio cínico. E a turma o acompanhou. O coração de Mademoiselle ficou pequeno. Teve pena daquelas pessoas, mas sentia que sua pena era inútil. Elas sequer entendiam que a ofendiam. Apenas se divertiam com suas caras, com suas reações , enfim, era uma resposta padrão a um evento algo cômico para eles.

Coitados.

Um celular no fundo da sala tocou uma batida de funk, a menina que era dona do celular atendeu com um linguajar vulgar em voz tão alta, que parecia estar numa feira-livre a vender legumes. Mademoiselle a olhou com aquele que considerava o seu olhar mais intimidador. Não funcionou. A garota levantou-se dizendo:

- É a minha mãe , professora. E saiu da sala, como se isso fosse uma explicação justificável.

Mas ainda se ouvia a sua voz gritando lá de dentro, onde Mademoiselle procurava se concentrar:

- Não, eu não vou fulana , a minha mãe não quer que eu vá pro shopping..

Quando a garota impertinente voltou, Mademoiselle apenas disse, e no fundinho da voz , notava-se uma ironia:

- Diga à sua mãe, que nunca mais ligue no horário das aulas.

- E se ela estiver morrendo?

- Terá sido uma fatalidade, encare desta maneira.

- O que é fatalidade, professora?

- Nesse caso , fatalidade é algo que acontece ou vai acontecer enquanto você estiver no shopping.. Não se preocupe. Ela, digo, a sua mãe não vai ficar triste, vai estar morta.

Todo mundo riu.

A menina fechou a cara.

Mademoiselle foi processada...