sábado, 5 de dezembro de 2015

Adiamentos

Depois de amanhã, sim , só depois de amanhã...
levarei amanhã a pensar em depois de amanhã, 
E assim será possível, mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso. 
("Adiamento" Fernando Pessoa/A. de C)


       É curioso como o tempo passa rápido. Todo início de ano dá uma impressão de esperança, de renovação, de que tudo vai dar certo. Mas, a certeza do fracasso não vem só dos problemas que enfrentamos,  das situações difíceis, as guerras do mundo, a economia, a corrupção, a merda de país que vivemos, porque quem está vivo, já sabe...

       O tempo nos joga na cara, mais do que tudo, aquilo o que deixamos de fazer, o eterno adiar das coisas...

    De repente é dezembro e você percebe que esse ano deveria ser o da sua sorte. A cartomante, o horóscopo, a numerologia, os búzios e até o padre tinha dito. De repente é dezembro e lá está a gaveta do criado-mudo rindo da sua cara, quando você abre e descobre papéis de 3 anos atrás, correspondências que você deveria ter enviado com aquelas cópias importantes, emails que não foram lidos e aquele texto que ficou pela metade,uma caneta adorada no fundo de um armário, você procurou por ela dois meses... uma roupa que você comprou e não vestiu, pois é, você acabou não indo àquela festa. Não encontrou aquela pessoa, agora a roupa parece feia, a pessoa já partiu, já desistiu de ser seu amigo/a, não tem mais fé em você, pois é, nem você tem fé em você, isso é que é mais triste. Aquele relógio que seu avô te deu está quebrado, (de repente, você percebe, há 5 anos), começa a fazer as contas (não pode ser...não pode, não pode, não pode  e descobre que sim,que pode) passaram-se sim 6, 7 anos e o relógio ficou lá, parado como o seu tempo, que não aconteceu. Fulano teve filhos, casou, divorciou, casou de novo; siclana virou prostituta, arrumou um milionário, foi morar na Baviera; beltrano assaltou um banco, contratou uma advogada sensacional, casou com ela e escapou da cadeia e você, pobre diabo, ficou aí com seus livros velhos pegando poeira, com a sua gaveta nunca arrumada, com o seu teto caindo, aquela porta emperrada que você tem ódio, mas nunca arruma por preguiça, porque você tem mais o que fazer e quando vê, você fez milhões de coisas que não queria ter feito: deixou de fazer X porque tinha antes que fazer Y, depois teve que fazer Z porque , porque, porque, porque, porque e já não lembra...pode ser que teve que visitar aquela tia que ficou doente; que teve que  andar meses tentando resolver aquele processo inacabado, que passou horas no engarrafamento, então não fez aquele curso que deveria ter feito e sim, e teve que mentir e teve que driblar as coisas e teve que engolir sapo, porque o tempo passou , ele não perdoa.

       A gaveta vai continuar rindo de você...



terça-feira, 13 de outubro de 2015

O inferno astral

No inferno astral é assim: você descobre que aquela pessoa tão simpática do seu trabalho  na verdade é uma f...da p...(sorry, por isso); você não consegue dormir à noite, porque passa a ter intensos pesadelos, um deles que você perde o emprego, a honra, o cachorro e o namorado, tudo no mesmo dia; seu filho(a) fica doente do nada, uma doença estranha e de natureza desconhecida ou difícil de curar; seu telefone não para de tocar e você não tem vontade de atender, achando, por um delírio paranoico, que só pode ser uma notícia muito, muito, muiiiiito ruim; o seu apartamento tem problemas de encanamento e você tem certeza que o sistema de gás do prédio está falhando; alucina que ao acender um fósforo, o fogão vai explodir inteiro na sua cara; sai pro trabalho num dia lindo de sol, mas tudo o que  consegue lembrar é daquele índio,  o“ Touro Sentado” no “Enterrem o meu coração na curva do rio”: “Today is a big day to die”. Então sim, você sabe que ultrapassou todos os limites e sim, está enfrentando o seu trânsito  estelar pra lá de infernal...

Os pontos positivos do inferno astral são que: você fica mais vulnerável; uma vez vulnerável, você lembra que é humano e limitado, cheio de erros, defeitos e loucuras...ou seja, humildade, aquela qualidade que um monte de gente, na maior parte do tempo,  não sabe mais o que é...

As loucuras são particularmente coisas que aderem facilmente na minha natureza...rs. Deve estar no gene. Meu pai sempre se achou louco, embora minha mãe dissesse que ele “se fazia de louco pra viver”....rs (mama tinha um senso de humor excessivamente realista!).

Bom, loucuras à parte, creio que os seres humanos não foram feitos pra serem normais. A normalidade é um ideal jamais atingido e se há gente que seja normal deve ser muito chata e cansativa. Quero passar longe dessas pessoas. Lembrei-me disso porque volta e meia vejo gente, principalmente no trabalho, fingindo que é normal, e, pior ainda, superior, ah, meu pai, que gente chata!

Dá-me uma angústia, um tédio, uma vontade de dar um tabefe na cara dessas pessoas...mas, o que eu consigo fazer é ser irônica. Nem sempre a ironia é uma arma bacana. Descobri com o tempo (oh, doce maturidade!) que é melhor se fazer de inocente. Fingir, porque, claro está, não somos inocentes,  já fomos expulsos do paraíso tem tempo...

Assim, quando aquele chato do seu trabalho vier se vangloriar de algo, olhe pra ele com a sua cara mais inocente, seu cheiro de lavanda e seus olhos de lince e diga: “Jura? Nossa! Você realmente se superou....”


Hehehe...ele vai notar que foi longe demais. Se não notar, é porque o cara é louco (não como nós malucos beleza de moral reta e fofa, mas louco da pior espécie).Fuja desses!

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

PROCURA-SE UM MARIDO DE ALUGUEL

Uma amiga me contou uma vez de um site :  “maridos de aluguel”. Fui visitar o tal site que  era uma confusão só e eu sou impaciente em tudo, mais ainda com a internet (se entro num endereço eletrônico que tenho que perder horas e digitar um monte,  saio correndo) .

Pra quem não sabe o “maridos de aluguel” são serviços que os maridos não fazem...oopssss...rs...não aquele que os maliciosos podem pensar. São só pedreiros, faxineiros, bombeiros, marceneiros e outros eiros, comuns em roteiros de filmes pornô...hehehe...

Mas o caso aqui é sério, porque eu, claro está, só falo seriamente!

O porteiro liga:

Está chovendo no apartamento da vizinha!!

- Chovendo?????

Descubro que a chuva se resume a um ponto no teto e que o responsável é o “ joelho” detrás da privada de meu banheiro social. Descubro também que minha pia do outro banheiro está vazando água e que também a do lavabo , assim como a pia da cozinha parece desnivelada. Num minuto começo a reparar milhões de problemas que antes não pareciam estar lá. Ou  eu, desligada que sou, não percebi que estavam.

Mas agora, eu os enxergo TODOS. Como não conheço ninguém que resolva nada neste planeta, vou a uma casa de construção e peço o nome de um “handyman”.

 Claro que o meu prédio tem um “ZELADOR” seja lá o que signifique isto, e claro que nos prédios dos meus amigos um zelador é uma espécie de “faz-tudo”, mas, no meu prédio (oh, karma!) ninguém ainda descobriu o quê exatamente o zelador faz...

Tudo o que se sabe é que ele tem pinta de lorde inglês, embora a aparência de suburbano, vive na rua resolvendo algum problema que nunca ficamos sabendo qual é,  só dá bom dia quando decide por algum motivo inexplicável , vai ver a maledeta da síndrome bipolar , comum nesses dias, principalmente em horários de trabalho.

É lógico que eu nunca pediria a um tipo deste pra fazer qualquer coisa no meu apartamento...  

Então sim, eles me deram um número de telefone de um sujeito. O papel era escrito à mão e parecia folha de caderno, já vi outros feitos em gráfica, mas eles me deram este, o que achei sinal de que o sujeito ia cobrar barato...

Ele chegou a minha casa às onze, eu tinha marcado às nove.Ele não resolveu o problema no mesmo dia ,  demorou pra fazer o serviço, ,minha filha ficou com fome, ofereceu almoço a ele, que aceitou  e ele almoçou com ela, mas não resolveu o problema. Isso era quinta. Voltou na sexta, no horário do almoço, almoçou de novo conosco, inventou um monte de problemas novos, já era tarde e era fim de semana, , marcou pra terminar na segunda e ainda deixou uma torneira vazando horrores. Voltou na segunda no meio da tarde. Resolveu uma parte dos problemas, e , quando foi consertar a minha torneira, que na verdade são duas, consertou uma e quebrou a outra que estava boa até então...

É claro que cobrou os tubos, nada baratinho, como eu esperava. Cobrou o preço dos dias de trabalho(sendo que ele não trabalhou os dias inteiros) e não dos serviços. Justificou dizendo que ele não trabalha todos os dias. E eu com isso?

Paguei reclamando e ele achou que eu sou muito “brava” e “exagerada”.


Ficou de voltar na outra sexta, Voltou quase de noite. Mandei-o de volta, brava de verdade desta vez, e a torneira(que estava boa) está pingando até hoje...

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Made in France

Eu gosto de assistir a programas de moda de vez em quando. Geralmente são uma aula de absurdo e estupidez humanas. Lógico que, levados a cabo para fazer enlouquecer alguns e enriquecer a outros.

Pois foi num GNT Fashion da vida com Lilian Pacce que descobri que cachorros e gatos agora estão muito além do Pet Shop de luxo. E eu, que já tinha achado uma conversa na manicure perversa, onde duas mulheres discutiam sobre seus queridos cãezinhos:

- Eu não sei o que fazer pra Rogéria não fazer xixi no meu sofá.

- Ah, no Jorge Fernando eu coloco fralda, porque ele era rebelde e não quis aprender. Assim, eu não me estresso.

- Até que é uma boa ideia.

- Pois, é, experimenta. Porque a minha filha quis ter o cachorro mas, no final,  sobra pra mim. Ele, agora que nós vamos viajar, vai ficar num hotelzinho. Meu filho tá preocupado se ele vai ficar feliz.

- Ah, esses bichinhos deixam a gente louca!!!

Depois elas desandaram a falar das calcinhas e das gravatas de seus cães, da alimentação, das tosas,etc,etc.

Quando entrei na sala de tortura da depiladora, ela (que é adotada) se perguntou por que aquelas mulheres não adotam crianças já que têm dinheiro de sobra e, ao que parece, um montão de amor pra dar. Lembrei-me de Eduardo Dussek, o “troque seu cachorro por uma criança pobre”

Antes que pensem que sou avessa a animais digo que tenho cães e gatos(não são meus, são do meu namorado, mas por osmose são meus...rs), todos tratados com amor e carinho, mas , como bichos, que são.

Pois, como se não fosse o bastante, cachorro agora é tratado como pessoa, ou melhor, como celebridade. É o que descubro, vendo o programa.

Lady Gaga (pra variar um pouquinho..hehehe), e outras celebridades tornaram seus cães e gatos, onipresentes em fotos de moda e um desses “bichanos” (????) faturou 3.000.000 num ensaio fotográfico, tendo não sei quantos mil seguidores no instagram.


Bem, quem sou eu pra me perguntar que tipo de pessoa é capaz de seguir tal “celebridade” no instagram ou se isso é uma coisa aceitável....

É lógico que é aceitável, tudo é aceitável hoje em dia. Dia desses, estando eu na hora do almoço num trabalho novo, querendo me ambientar,  uma colega comia e digitava no celular ao mesmo tempo, enquanto eu permanecia ao seu lado calada, esperando por uma conversa, por um entrosamento que não aconteceu. Ela não despregou os olhos do celular e do prato por uns dez insuportáveis minutos até que veio um outro colega (um pouco mais educado) me salvar.

Ela percebeu que eu estava a fim de papo? Claro que não...ela tinha mais o que fazer...

Quem sou eu pra chamá-la de mal educada ? Quando há um celular em jogo, não há regra de educação...quem não pensa assim, tem que se acostumar e pronto. Esse é o admirável mundo novo!É assim que as coisas são agora.

E gatos e cães podem ser modelos bem pagos. Admirável mundo novo. Se  é o que acontece, é o que é. Porque também há outra coisa: ninguém se questiona mais de como as coisas devem ser. Elas simplesmente são. Ponto final.

Pois é no mesmo programa que fico sabendo que, pra roupa ser considerada “alta costura” tem que ser feita à mão por costureiras (olha as preciosas costureiras aqui, que faziam tudo à mão, que existiam aos montes na minha infância, que existem em todo lugar do mundo) e vir da França, of course.

Que engraçado, a alta costura tem que ser francesa!! Mas quem inventou isso? Os franceses, claro.

Do mesmo jeito que se inventou que pra ter o  nome de champagne  tem que ser feito nessa dada região da França, o resto é espumante ...

É muito prático, saibam vocês.  Funciona assim: eu crio uma regra, uma sociedade, um clube de elite, com muito dinheiro, claro. Decreto que dada coisa só é legítima se pertencer a este clube, a esta sociedade.  Promovo a ideia para que o mundo creia nisso e pronto. Se os outros comprarem a ideia, você pode criar uma indústria milionária disso.  Pois há sempre gente que vai crer e repetir ad infinitum  feito um ventríloquo, por exemplo, que costureira de alto nível só existe na França e que champagne é só o francês...

...Hehehe...

Ah...hoje em dia a tal “Câmara da Moda Francesa” já aceita a ideia de que a Itália também produz alta costura. Ponto pros italianos, devem ter se esforçado muito pra entrar no clubinho e feito muuuuuito marketing.

Pois é...vive La France! A cultura que reinventou a democracia...rsrs.


  
PS1: Pra quem quiser conferir o que eu falei:  http://gnt.globo.com/programas/gnt-fashion/videos/4433711.htm.

PS2:  Pra quem quiser assistir a um filme bacana sobre o assunto dos vinhos e a prepotência da superioridade deles. É um filminho bom de tudo tratando do  “nascimento” dos vinhos californianos via França: “O julgamento de Paris”.

E leia também: http://revistaadega.uol.com.br/artigo/a-degustacao-que-abalou-o-mundo_3107.html. 






domingo, 14 de junho de 2015

Da série "Fora da gaveta": As aventuras de Mademoiselle L.

Mademoiselle L. era professora, das antigas. Tinha sido educada em colégio de freiras e aquela coisa toda. Espantou-se num dia em que um aluno chegou à frente do quadro e : “click” bateu uma foto no celular da sua aula escrita pacientemente no quadro branco com pilot. Suspirou profundamente, suspiro tão profundo que, outra aluna, dessas solícitas que, por incrível que pareça volta e meia ainda existem por aí, ficou preocupada:

- Professora , você  está passando mal?

Mademoiselle L. não respondeu, odiava que um aluno a interpelasse com perguntas pessoais, então não tinha esse povo noção mesmo de limites, imagina fazer assim, uma interrogação pessoal a um professor. Considerava-se uma tela em branco, onde escreveria tão somente o discurso de sua sabedoria. Deu outro suspiro. Mais profundo ainda.

Ninguém respeitou.

Um minuto depois recebeu como presente  uma bolinha de papel na cabeça, enquanto alunos no canto esquerdo da sala davam risadinhas dela. Mademoiselle percebeu. Mas continuou, imperturbável. Era de uma elegância fenomenal. Um aluno indecente perguntou se podia ir “mijar”. Mademoiselle corou. Levantou os olhos pro céu em grande sinal de súplica, lembrando uma pintura dos "Martírios de São Sebastião".

O aluno insolente repetiu: “Posso professora , ir mijar?”. Mademoiselle, perturbada, já com todos rindo, respondeu como uma esfinge impenetrável:

- Vocë tem licença para ir ao banheiro.

O moleque riu feito um demônio cínico. E a turma o acompanhou. O coração de Mademoiselle ficou pequeno. Teve pena daquelas pessoas, mas sentia que sua pena era inútil. Elas sequer entendiam que a ofendiam. Apenas se divertiam com suas caras, com suas reações , enfim, era uma resposta padrão a um evento algo cômico para eles.

Coitados.

Um celular no fundo da sala tocou uma batida de funk, a menina que era dona do celular atendeu com um linguajar vulgar em voz tão alta, que parecia estar numa feira-livre a vender legumes. Mademoiselle a olhou com aquele que considerava o seu olhar mais intimidador. Não funcionou. A garota levantou-se dizendo:

- É a minha mãe , professora. E saiu da sala, como se isso fosse uma explicação justificável.

Mas ainda se ouvia a sua voz gritando lá de dentro, onde Mademoiselle procurava se concentrar:

- Não, eu não vou fulana , a minha mãe não quer que eu vá pro shopping..

Quando a garota impertinente voltou, Mademoiselle apenas disse, e no fundinho da voz , notava-se uma ironia:

- Diga à sua mãe, que nunca mais ligue no horário das aulas.

- E se ela estiver morrendo?

- Terá sido uma fatalidade, encare desta maneira.

- O que é fatalidade, professora?

- Nesse caso , fatalidade é algo que acontece ou vai acontecer enquanto você estiver no shopping.. Não se preocupe. Ela, digo, a sua mãe não vai ficar triste, vai estar morta.

Todo mundo riu.

A menina fechou a cara.

Mademoiselle foi processada... 

sábado, 17 de janeiro de 2015

Epopeias Cariocas em MINAS


Todo mundo tem uma ideia sobre o povo mineiro: “desconfiado”, “ come quieto”  , “só é solidário no câncer” , como disse meu anjo pornográfico  , mas não se tem realmente ideia de como os mineiros são a não ser que se passe tempo com eles. Quero dizer que falar de “mineirice” é coisa para o qual me sinto qualificada, já que minha família é metade mineira, inclusive o meu papi e  passo há anos minhas férias e finais de semana no interior de Minas .

Eis aqui alguns aspectos pontuais do modo de vida mineiro, que observo nas minhas andanças por lá:

- Mineiro é apegado em velharias(nem sempre valiosas) : o armário que não fecha mais a porta há anos “da tia fulana de tal, tão boa, mas já se foi, coitada”; a cadeira desconfortável da tataravó-tia não sei de quem, “que estava abandonada”  não sei onde; o piano de teclas quebradas do avô; o fogão que não funciona mais o forno  da tatatata-tia, mas está lá na casa do sobrinho pra provar que sobreviveu, como a família, ao tempo.

 Foi assim que eu mesma herdei de minha avó mineira: um terço de cristal; uma panela de pressão velha sem tampa, uma xícara de porcelana sem alça, vários talheres prejudicados pelas andanças em casas de  tias e um cesto de roupa suja falsamente identificado como do século XIX...rs

 -  “Mineiro não queima dinheiro”. Essa frase me foi passada por alguém que me contou como o seu avô rico se recusou a ajudar a pagar os fogos da pequena cidade no réveillon. É por isso que não tem fogos no réveillon, porque  eles são muito apegados ao próprio  dinheiro. Quando gastam, se vangloriam  fazendo contas. Isso não é folclore! Eles reclamam dos preços o tempo todo , chamam de “caríssimo”  a tudo e não compram nada de que realmente não precisem.Comer fora tendo comida em casa? Nem pensar. Não entra na cabeça deles, que se saia pra um restaurante por prazer...

- Por isso mesmo mineiro é o rei da gambiarra. Compram  dois carros velhos, pra desmanchar um e reformar o outro, etc. Engenhosos, transformam tudo de uma forma criativa. Conheci um mineiro sensacional, que transformou uma máquina de lavar velha num motor de sauna. Uau!

-  Mineiro é fabulista por natureza. Eles não são baianos nem nada, mas, quer saber? A pressa é uma inimiga deles. Mineiro que é mineiro fala devagar, aumenta as histórias, inventa um bocado no meio, mente ou “enfeita” e nunca cruza a linha de chegada(as vezes, você até se perde) . Inúmeras vezes no meio de uma história eu já estou pensando em outra coisa, dependendo do narrador...rs.Mineiro conta casos mesmo!

 Em todo lugar que eu vou sempre escuto histórias escabrosas, viciantes, malévolas, que são como um inventário da psicologia humana. É como se o mineiro encarnasse todo tipo de perfidia, moralismo, decadência, bondade, humanidade , sacrifício, generosidade , masoquismo  e tudo o mais. Ele sente tudo e expressa e vive isso em suas histórias de vida mais do que loucas. Não é  à toa que é um lugar cheio de grandes literatos.

- Mineiro visita os amigos mesmo! Sem aviso, sem mandar mensagens, sem nada. Simplesmente aparece e grita da porta: “ Ôooo de casa....” a qualquer hora do dia. Eles nunca chegam à noite, porque são noveleiros e só saem depois da novela e da missa(mineiro é muito católico)

- Toda casa tem que servir café com biscoito polvilho ou pão de queijo(que lá, como se sabe, é de  polvilho azedo), que  cresce alto e dá aquela crosta dura em cima mas, nem sempre está fresco. Eles requentam frequentemente e guardam por dias num pote. Se você tiver gastrite, use isso como desculpa pra escapar...da gastrite! Polvilho azedo é um veneno quando não é feito na hora: azia certa..rs

- Aqui no Rio quando a galera reúne é pra beber e falar besteira, mas mineiro é mais sério. Lá é possível, assistir a filmes (eu disse a filmes, não a um só!) uma tarde inteira na base da pipoca e café e debater os filmes depois. Uma coisa que eu invejo!

- Mineiro é meio filósofo, meio psicólogo. Gosta de assuntos interessantes, gosta de gente, de te conhecer por dentro, de olhar pra você  e saber “qual  é  a sua”. São fascinados por uma suposta sinceridade e são tão perspicazes nisso, que às vezes você se sente meio nu(a), sendo  desvendado(a). Gostam de analisar, de debater, de concluir, coisa que o carioca “ deixa pra lá”, “pra vida resolver”...rs

 Pra entrar numa autêntica  família mineira  você tem que ser “aprovado” antes. E, talvez, você nunca consiga, porque alguns familiares são teimosos insistentes e se gabam de odiar fulano ou siclano “ do nada” ou por pouca coisa . Nada mais normal...rs

- Mineiro é lento pra acordar...(carioca pula da cama correndo!)

- Diz-se que em Minas  se come muito bem. É só um mito. O segredo da culinária mineira resume-se à banha de porco, que eles colocam em tudo, como o caldinho de feijão com torresminho (pena que não é o preto, feijão de mineiro é o carioquinha....) e , como na minha receita campeã e milenar (a carne de lata) que a minha avó já fazia, convenhamos.  Fora disso, mineiro não sabe usar temperos, é tradicionalista e não se aventura em novidades, faz churrasco de carne estupidamente bem passada e come todo dia a mesma coisa.

A culinária além de repetitiva, já está se contaminando pelos vícios americanos. Dia desses fui num restaurante premiadíssimo, celebradíssimo como de “autêntica culinária mineira” e, vejam bem, tiveram a audácia de  servir costelinha de porco com o ridículo molho barbecue , sem avisar!!! Sem falar que tem um quiosque de hambúrguer a cada esquina. Acho que, nos dias de hoje, é o jantar preferido deles.Minha avó deve estar se revirando no túmulo...

- Mineiro é assim: as mulheres mandam nos homens quando eles se casam. Elas dominam aqueles machos-alfas- cawboys que ficam mansinhos, mansinhos até o fim dos tempos...(carioca conversa, briga e divorcia....rs).

- Mulher mineira é assanhada sexualmente, autoritária, metida à fatal, vaidosa, patricinha, geralmente competitiva, fala mansinho e cantadinho e vai conquistando o terreno como quem não quer nada...ou são docilmente  submissas e  autopiedosas.

- Mineiro dificilmente come fruta. Só no pé. E a maioria transforma fruta de pé em doce de compota. Por isso, o fruteiro da pracinha  logo ficou meu amigo quando me viu comprando cheia de tesão e olhos brilhantes, sacos de manga e laranja rsrs.Eles também não tomam suco(acho que eles não descobriram ainda o que seja  um suco de frutas grosso, vitaminado, como se faz aqui no Rio). Quando  eu quis tomar um suco num quiosque em São João Del Rey  descobri que eles não fazem e um amigo mineiro disse: “ ah, muito trabalho tem que contratar um funcionário pra  lavar o liquidificador depois...não é prático, aqui só refrigerante ou cerveja” . Suco de laranja pra eles é uma laranja espremida e o resto do copo, água e açúcar.  Nunca peça sucos, é roubada!

- Sim, existe mineiro  preguiçoso....veja o item anterior e conclua(a lavagem de um liquidificador  é considerado um “ trabalho duro”   e conheço mineiros que “ inventam”  a comida toda numa única panela pra não ter que lavar a louça depois rs);  meu pai , vive reclamando que não consegue ninguém que trabalhe pra ele no sítio que ele tem em Minas, só ladrões interesseiros e meu sogro (que é  mineiro tb) diz que foi feita uma pesquisa em que se concluiu que o mineiro “é o povo que menos trabalha no Brasil” . Pois é, aqui no Rio se trabalha muito mais e mesmo assim o carioca leva fama de preguiçoso que não sai da praia...

A vida não é justa...rsrs

Depois continuo essas epopeias mineiras do pré-carnavalesco em São João Del Rey!rs